Está a cada dia mais clara a importância de o pediatra acompanhar o desenvolvimento da microbiota intestinal nas primeiras etapas da vida. Ela, afinal, participa ativamente de sua programação metabólica, comparável a um software que seu organismo rodará para sempre.
Isso quer dizer que as bactérias do intestino ajudariam a determinar se aquele indivíduo terá uma tendência maior ou menor a engordar, sofrer de depressão ou de outros transtornos psiquiátricos, ficar diabético, ser acometido por uma doença autoimune, padecer de alergias e muito mais.
E existem algumas janelas de oportunidade para intervir e gerenciar, digamos assim, as repercussões na saúde dessa primeira etapa de colonização — repercussões que poderão observadas a longo prazo, talvez na vida adulta. Ou seja, ficar de olho nas primeiras ondas de ocupação do território intestinal é uma maneira garantir um futuro saudável.
O que se discute é quando iniciar o acompanhamento. Fácil justificar a dúvida: durante um bom tempo se achou que os bebês adquiriam suas primeiras bactérias ao passar pelo canal vaginal no momento parto. Uma ideia, aliás, que enfatizava as ressalvas feitas à cesárea. Mas, em 2014, cientistas suecos demonstraram a presença de DNA bacteriano no cordão umbilical, na placenta e no mecônio, que é a primeira evacuação do recém-nascido. Isso mudou tudo.
Ora, os rastros da presença de bactérias indicam que, muito provavelmente, a colonização do intestino começa ainda no útero. E, no caso, para o médico obstetra valeria observar alguns aspectos da grávida, os quais poderiam favorecer ou não a transmissão desses micróbios pela placenta.
Hoje se sabe que a formação da microbiota intestinal é influenciada pela dieta da gestante, pelo fato de ela ter usado antibióticos ou não durante a gravidez, por ter ficado doente no período de espera ou durante a lactação. Até mesmo o nível de estresse da mulher interferiria nas bactérias que ela seria capaz transmitir ao filho. Isso tudo ao lado da idade gestacional do bebê ao nascer, do ambiente familiar e, claro, do tipo de parto.
Logo depois do nascimento, o ecossistema microbiano começa a se estabelecer pra valer no intestino do pequeno. Quando o parto é normal, dizem os estudos, predominam bactérias do gênero Lactobacilollus e bifidobactérias. Estas, aliás, quase inexistem no organismo do recém-nascido que veio ao mundo pelo parto cesáreo, provavelmente por causa de antibióticos que são prescritos à mãe para evitar complicações cirúrgicas. E é uma lástima, já que ajudariam a amadurecer mais depressa o seu sistema de defesa.
Os primeiros habitantes do intestino continuam a se multiplicar e novos inquilinos chegam até o ponto de essa população se estabilizar por volta dos 1.000 dias de vida, etapa crucial para a saúde humana.
Nesses tais 1.000 dias, contabilizados a partir da fecundação, a alimentação (tanto a da gestante e, depois, a da própria criança) parece ser o fator que mais conta na formação de uma microbiota intestinal mais ou menos equilibrada. Até que, aos 3 anos, a complexidade desse ecossistema está definida. O microbioma de um menino ou menina nessa idade é muito parecido ao que ele terá quando se tornar adulto, lá adiante.
O peso do parto normal
Um dos trabalhos mais recentes sobre o impacto da formação da microbiota do bebê foi publicado no último 19 de fevereiro no JAMA Pediatrics. Assinado pela Universidade de Alberta, no Canadá, o estudo revelou que os filhos de mulheres com sobrepeso ou obesas que chegam ao mundo pelo parto normal têm um risco três vezes maior de apresentarem obesidade aos 3 anos de idade, se comparados com crianças nascidas de mulheres que sempre tiveram um peso adequado e que não engordaram além da conta durante a gestação. Até aí, pouca surpresa.
O que chamou a atenção, porém, foi que, naqueles bebês nascidos de cesárea, filhos de mulheres acima do peso, o risco de a obesidade aparecer antes dos 3 anos era ainda maior, multiplicado por cinco.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores observaram 935 mães e lactentes nascidos entre janeiro de 2009 e dezembro de 2012. Por meio de testes de sequenciamento do DNA das bactérias do intestino, realizados em um laboratório da Universidade de Toronto, também no Canadá — testes similares aos que a Bio4me traz pioneiramente para o Brasil —, os cientistas acompanharam a evolução da microbiota de toda a criançada, analisando periodicamente amostras de fezes.
Nos bebês nascidos por meio de cesárea, havia uma maior abundância bactérias firmicutes, que notoriamente estão associadas ao ganho de peso. Os pesquisadores também notaram que aquelas do gênero Lachnospiraceae eram igualmente mais numerosas nos filhos da cesariana. Esses micróbios estão relacionados a processos inflamatórios em geral, incluindo colites.
A hipótese dos cientistas é de que o contato com o canal vaginal favoreceria a colonização do intestino por outras bactérias que, por sua vez, em uma espécie de competição muito bem-vinda, controlariam a população de suas vizinhas no ambiente intestinal, evitando o crescimento desenfreado do bando das firmicutes, por exemplo.
Mas se a ideia é, então, incentivar o parto normal, não se pode esquecer que a própria obesidade materna’ muitas vezes o dificulta. Por isso mesmo, para afastar a cesárea, os autores sugerem que a mulher em idade fértil procure eliminar os quilos a mais antes de engravidar e evite perder o controle sobre a balança durante os meses de gestação. E isso serviria, de quebra, para melhorar o perfil de bactérias em seu próprio intestino, o que é ótimo para todos. Afinal, parte delas mudará de endereço, de mãe para filho.
A amamentação e as cólicas
Não faltam motivos para o aleitamento materno pelo período mínimo de seis meses. Um deles: a microbiota intestinal do rebento. É o que mostra outra pesquisa, também publicada no JAMA Pediatrics, assinada pela pediatra e infectologista Grace Aldrovandi, do Mattel Children’s Hospital da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Ela demonstrou que crianças amamentadas no peito no primeiro semestre de vida apresentavam bem menos cólicas e também menos episódios de infecções intestinais nos primeiros cinco anos de vida.
A médica e sua equipe rastrearam por sequenciamento genético as bactérias presentes no leite materno e na pele ao redor do bico dos seios de 107 mães. Depois provaram que essas bactérias tinham uma correlação com aquelas encontradas na microbiota intestinal de seus filhos, a qual foi revelada pelo teste de sequenciamento a partir de amostras de fezes das crianças.
Segundo o trabalho, no primeiro mês de vida, perto de 30% das espécies encontradas no intestino dos bebês são oriundas do leite materno. Outros 10% viriam da pele dos seios. O restante, provavelmente, do ambiente ou da vagina materna, se foi parto normal. E as bactérias transferidas de mãe para filho, especialmente aquelas que chegaram pelos goles de leite, teriam a ver com a proteção do intestino contra agentes causadores de muita dor de barriga.
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