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Ansiedade e depressão: a conexão do intestino com o cérebro

O intestino tem aproximadamente 500 milhões de neurônios, as mesmíssimas células encontradas na massa cinzenta. É um sistema nervoso próprio, que não depende de comandos cerebrais e que controla, entre outras coisas, a liberação de sucos digestivos, além de produzir doses consideráveis de serotonina, molécula por trás da sensação de bem-estar. Na realidade, 90% da serotonina encontrada no corpo humano é sintetizada ali. E cerca de 50% da dopamina, neurotransmissor envolvido em sistemas de recompensa, também. Hoje já foram identificados cerca de 30 outros mensageiros químicos no ambiente intestinal.

Ansiedade e depressãoEssas substâncias todas se encarregam da comunicação entre o intestino e o cérebro por meio do nervo vago, que liga o sistema gastrointestinal à cabeça. Trata-se de um caminho de mão dupla. Tanto que, em momentos de nervosismo, as pessoas podem sentir indisposições abdominais.

Há, porém, um terceiro componente interferindo nessa conexão: os mais de 100 trilhões de bactérias que formam a nossa microbiota. Elas não só participam ativamente da troca de mensagens pelo nervo vago como liberam substâncias pela corrente sanguínea que acabam influenciando a atividade cerebral. Por isso, o desequilíbrio entre as populações desses micro-organismos no intestino, ou disbiose como preferem chamar os médicos, é cada vez mais associado a transtornos neurológicos e psiquiátricos.

Lactobacilos para aplacar estados ansiosos 

Em 2011, pesquisadores da University College Cork, na Irlanda, notaram que bactérias da espécie Lactobacillus rhamnosus, que no nosso organismo participam do processo de digestão e que também encontradas em iogurtes, podiam ser capazes de alterar o comportamento de camundongos.

Os pesquisadores dividiram os animais de laboratório e apenas um grupo foi alimentado com doses diárias de um probiótico: uma bebida láctea contendo milhões desses micro-organismos. E justamente as cobaias que receberam essa espécie de iogurte apresentaram muita disposição para atravessar labirintos e nadar. Não parece ter sido coincidência.

Nessa experiência pioneira, os camundongos eram, por exemplo, colocados em tanques cheios de água. O esperado era que nadassem durante 4 minutos, em média, antes de desistirem da travessia e ficarem boiando. Mas os animais que ingeriram o probiótico rico em L. rhamnosus nadaram, em média, por 6 minutos, um tempo 50% maior. Apresentaram, portanto, sinais que poderiam ser interpretados como bom ânimo, serenidade e resiliência.

Exames posteriores comprovaram que esses animais tinham menos cortisol circulando no sangue e uma maior produção do ácido gama-aminobutírico (GABA), um neurotransmissor que pode aplacar estados de ansiedade. Para saber se essas alterações químicas poderiam ter a ver com a microbiota, os cientistas foram além: eles repetiram a experiência, desta vez cortando o nervo vago dos animais para interromper a comunicação entre o intestino e o cérebro. E, então, os camundongos alimentados com o iogurte repleto de L. rhamnosus não apresentaram nenhum comportamento diferente em relação ao grupo controle. Todos pareciam igualmente ansiosos e não demoravam tanto para desistir de nadar.

De lá parta cá, as bactérias L. rhamnosus tem sido usadas em muitos outros experimentos que buscam elucidar a interferência da microbiota nos estados de ansiedade. Pesquisadores da Universidade de McMaster, no Canadá, por exemplo, alimentaram camundongos com uma espécie de sopa que continha esses mesmos micro-organismos. Segundo os autores, eram animais ansiosos, que, observados em suas gaiolas, geralmente ficavam grudados nas paredes dos labirintos, querendo se esconder, em vez de tentarem sair dali.

Passado um tempo de dieta especial, porém, os animais que consumiram a sopa com probióticos começaram a permanecer por mais tempo em áreas abertas da gaiola. Segundo os pesquisadores, esse seria um sinal evidente de que estariam mais calmos. Resultados assim ainda não significam que as bactérias possam produzir os mesmos efeitos em seres humanos. Mas é possível que sim.

Na cabeça de gente como a gente

Em 2015, pesquisadores ingleses da Universidade de Oxford avaliaram 45 voluntários. Parte deles consumiu suplementos de um carboidrato conhecido por galactooligossacarídeo ou GOS, presente em vegetais como a cebola, o alho, o chicória e que também está em doses consideráveis no leite materno. O GOS é, na realidade, um prebiótico, um dos alimentos favoritos das bactérias Lactobacillus e Bifidobacterium.

Exames de sequenciamento genético da microbiota por meio de amostras de fezes dos participantes — semelhantes aos que a Bioma4me traz para o Brasil — acusaram que a população desses dois micro-organismos aumentou consideravelmente com o uso da suplementação. E é provável que isso tenha relação com outro achado da experiência: os níveis de cortisol de todos os 45 voluntários diminuíram. E o cortisol, produzido pelas glândulas supra-renais, é notoriamente um hormônio associado à ansiedade.

Outros trabalhos já relacionaram a falta de uma proporção maior de Lactobacillus, especificamente, com a depressão. A hipótese, no caso, é a de que essas bactérias ajudariam a proteger as paredes intestinais, que, sem um grande número delas, se tornariam mais fracas, permeáveis e sujeitas a inflamações. Detalhe: essas alterações intestinais são encontradas em cerca de 35% das pessoas deprimidas. É difícil dizer se elas seriam causa ou efeito do estado emocional, já que o caminho entre o cérebro e o intestino, como já foi mencionado, é de mão dupla. Mas, sim, uma população menor de Lactobacillus parece ser uma marca nos exames de sequenciamento da microbiota nas fezes em pacientes com depressão. E o aumento dessas bactérias, por sua vez, poderia estar relacionado a melhoras no quadro.

No ano passado, pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, injetaram esses lactobacilos diretamente no intestino de camundongos. A medida não apenas aumentou a barreira protetora nas paredes do órgão, como produziu, nos animais de laboratório, efeitos muito parecidos com o das drogas antidepressivas.

Alimento para as as emoções

Ainda na Universidade da Califórnia, 36 mulheres com sintomas claros de ansiedade foram divididas em dois grupos: o primeiro consumiu um produto lácteo repleto de lactobacilos durante um mês. O segundo tomou uma bebida placebo, sem qualquer micro-organismo em sua composição. Após os 30 dias, todas as voluntárias tiveram de olhar para imagens selecionadas para suscitar sentimentos como raiva, revolta e medo, enquanto os cientistas observavam o funcionamento do cérebro das participantes por meio do exame de ressonância magnética.

Nas mulheres que tomaram o probiótico, as áreas cerebrais encarregadas de processar as emoções se mostraram menos ativas, indicando que elas estariam mais serenas em comparação com as voluntárias do outro grupo. Apesar de ser um estudo relativamente pequeno, realizado com um grupo muito reduzido de pacientes, ele indica que um caminho para aplacar a ansiedade e melhorar a capacidade de resiliência das pessoas: equilibrar a microbiota.

Já em outubro passado, o mesmo grupo de cientistas recrutou outras 40 mulheres, todas saudáveis. Dessa vez, elas foram divididas de acordo com características de sua microbiota intestinal. Em 33 voluntárias, a maioria, predominava no intestino o grupo das Bacteroides, o que foi constatado pelo teste de sequenciamento genético realizado a partir de amostras de fezes — de novo, semelhante ao que a Bioma4me trouxe para o Brasil. Nas outras sete participantes, o exame apontou uma predominância de bactérias do grupo Prevotella.

As mulheres, então, foram submetidas a uma série de imagens e o que se notou foi a que, diante de uma mesma fotografia, a reação emocional podia variar conforme o perfil da microbiota. Nas com maior quantidade de Bacteroides, as reações de irritabilidade foram bem mais frequentes.

Mas, aí, de novo, vem a questão: será que essas emoções diferentes seriam provocadas pela microbiota ou será que a microbiota mudaria de composição conforme lidamos, de um jeito melhor ou pior, com os nossos sentimentos? Boa pergunta! Mas ninguém duvida que estado de humor e intestino estão interligados e que as bactérias têm um papel importantíssimo nessa conexão.

 

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Comments (1)

Amei o texto! Muito informativo!

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