Internações hospitalares decorrentes de crises alérgicas causadas por alimentos têm sido crescente em diversos países, incluindo o Brasil. Em crianças, alergia à proteína do leite de vaca (APLV) representa o tipo mais comum de alergia alimentar, principalmente entre a faixa etária de 0 a 2 anos.
Essa condição é caracterizada pela reação imunológica à caseína e proteínas do soro, presentes no leite de vaca e em seus derivados 1,2.
A causa da APLV não está totalmente definida, visto que predisposição genética, polimorfismos, dieta materna e exposição ambiental são fatores desencadeantes ao insulto alérgico 1,2.
A baixa diversidade microbiana, especialmente nos primeiros meses de vida, é outro forte precedente ao desenvolvimento de alergias2-4. Neste sentido, o perfil microbiano fecal de recém-nascidos foi correlacionado com o desenvolvimento tardio de alergia alimentar e dermatite atópica.
Crianças que desenvolveram alergia até 2 anos de idade apresentavam predominância dos gêneros Bacteroides e Klebsiella, enquanto Clostridium, Lactobacilos, Lactococcus e alguns gêneros do filo Proteobacteria foram menos abundantes no 1° mês de vida 3.
Em outro estudo longitudinal, 226 crianças com APLV foram acompanhados do 3° mês de vida até os 8 anos . A população bacteriana do intestino até o 6° mês foi rica em Clostridia e Firmicutes em lactentes que apresentaram resolução da alergia até 8 anos. Já Bacteroidetes e Enterobacters foram característicos de crianças cuja APLV não foi resolvida até o período observacional final 4.
A exclusão do leite de vaca é tratamento padrão na APLV. Em 2018, estudo randomizado, duplo-cego, placebo controlado, comparou o uso de fórmula láctea hidrolisada de caseína (EHCF) suplementada ou não com probióticos Lactobacilos rhamnousus (LGG) em crianças com APLV não mediada por IgE, durante período de 6 meses.
No início do estudo, as crianças apresentaram disbiose com predominância de Bacteroides e Alistipes em amostras fecais. O uso de EHCF foi associado com a melhora de sintomas alérgicos e influenciou favoravelmente a microbiota em ambos os grupos, porém EHCF + LGG reestruturou significativamente a composição de Bacteroides, que exibiu diversidade semelhante à apresentada pelos controles saudáveis 5.
Uso de EHCF + LGG tem sido positivamente correlacionado com abundância de gêneros produtores de butirato e aumento na concentração de butirato fecal 5,6. Mecanismos de ação do butirato são múltiplos, salientando-se, dentre eles, a regulação epigenética de genes que sintetizam linfócitos Th1, Th2, células Tregs e de vias metabólicas que participam da resposta imunológica para resolução da alergia 6.
Considerando o impacto que a APLV pode ter no desenvolvimento das crianças, torna-se relevante conhecer a composição da microbiota intestinal através do sequenciamento genético pela técnica 16S rRNA, com objetivo de verificar e corrigir os quadros de disbiose, o que pode representar melhor evolução da doença e diminuição das complicações a ela associadas.
Por: Priscila Garla
Referências:
- Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia e Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição. Guia prático de diagnóstico e tratamento da Alergia às Proteínas do Leite de Vaca mediada pela imunoglobulina E. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2012; 35(6): 203-233.
- Alessandro Fiocchi, Lamia Dahda, Christophe Dupont, et al. Cow’s milk allergy: towards an update of DRACMA guidelines. World Allergy Organization Journal, 2016; 9:35.
- Nakayama J, Kobayashi T, Tanaka S, et al. Aberrant structures of fecal bacterial community in allergic infants profiled by 16S rRNA gene pyrosequencing. FEMS Immunol Med Microbiol.2011; 63(3):397-406.
- Bunyavanich S, Shen N, Grishin A, et al. Early-life gut microbiome composition and milk allergy resolution. J Allergy Clin Immunol. 2016; 138(4):1122-1130.
- Roberto Berni Canani, Francesca De Filippis, Rita Nocerino, et al. Gut microbiota composition and butyrate production in children affected by non-IgE-mediated cow’s milk allergy. Nature Scientific Reports, 2018; 8:12500
- Aitoro R, Paparo L, Amoroso A, et al. Gut Microbiota as a Target for Preventive and Therapeutic Intervention against Food Allergy. 2017; 28;9(7).